Ichi go, Ichi e
Aglutinando ideogramas diferentes, a língua
japonesa tem a peculiaridade de construir frases sintéticas densas, com
profundo sentido inerente à cultura e ao espírito japonês. Como a expressão
“ichi-go, ichi-e”, que transmite um ideal estético ligado aos conceitos
zen-budistas e à consciência da transitoriedade das coisas. Literalmente
significando “um momento, um encontro”, sua conotação, porém, tem nuances e
implicações que transcendem explicações ou traduções.
Regidos por estações de ano bem definidas em que a
natureza cambiante faz o mundo flutuar numa constante mutação de temperatura,
sons, cores, aromas e gostos, os japoneses tentam se apegar ao efêmero,
procurando usufruir ao máximo o que cada estação oferece ao tato, aos olhos e
ouvidos, ao olfato e paladar. Ichi-go, ichi-e traz à consciência a proposição
de viver ao máximo cada dia, hora, minuto e segundo. Fazer de cada momento um
encontro único para ser vivido bem e intensamente.
Esse pensamento zen tem muito a ver com o chadô,
cerimonial de chá japonês. Apesar de o ritual continuar o mesmo desde há
séculos, em cada cerimônia deve-se concentrar a atenção e o espírito naquele
momento, com aquelas pessoas e objetos, naquele ambiente particular. Então será
criada uma experiência original e única, que nunca mais será reproduzida
exatamente daquela maneira, ainda que no mesmo local, com as mesmas pessoas e
os mesmos recipientes. Nas artes marciais, esse conceito também se acha muito
arraigado. Cada forma, kata, será praticada como se fora a primeira e única,
com a máxima concentração e empenho, ainda que obedeça a regras tradicionais
antigas, mil vezes praticadas e a serem praticadas. A mesma postura se observa
nas artes como ikebana, shodô (caligrafia), sumiê (pintura); e na contemplação
da natureza – hanami (flores), tsukimi (lua).
Ichi-go, ichi-e sugere que essa prática seja
observada também no nosso dia a dia: um encontro banal, mesmo com um amigo a
quem vemos com frequência, poderia ser encarado como momento especial. É
prazeroso tratá-lo com atenção e consideração para que ele possa se despedir de
nós com o coração aquecido, sentindo pena de nos deixar. Ir se despedindo e já
ir “sentindo saudade daquele instante” – nagori oshiku.
A jornalista Lori Matsukawa, em matéria publicada
no semanário The North American Post, de Seattle, WA, também tem sua versão
para ichi-go, ichi-e: não deixar a chance escapar quando o destino bate à nossa
porta. Nas coisas mais rotineiras da nossa vida. Por comodismo, falta de
iniciativa ou pura preguiça, não raramente, desdenhamos convite para um evento,
uma reunião, um desafio. Não seria esse o momento único de um encontro que
talvez pudesse suscitar aberturas decisivas e novos horizontes? No mínimo
sairíamos enriquecidos da experiência. Liderança de destaque na comunidade de Seattle,
o que Lori Matsukawa quis dizer é que deveríamos nos engajar continuamente num
ideal, e quando nada estiver acontecendo, compete a cada um de nós fazer
acontecer o seu ichi-go, ichi-e. Aqui, agora: transformar nossa vida e nosso
entorno, quiçá o mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário